Vídeos de brinquedos no YouTube podem tornar seu filho consumista?

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Tempos atrás, Helena anunciou que ia brincar de “oi galerinha”. Passaram-se semanas até que ouvi a expressão repetida na abertura de um vídeo que ela assistia no YouTube. Pois é com esse singelo “oi galerinha” ou “hi guys” que youtubers mirins se dirigem aos seus espectadores nos seus popularíssimos vídeos de “unboxing”.

Como qualquer criança de sua idade, Helena é ávida consumidora de vídeos no YouTube. Todo pai de crianças nascidas pós-2005 conhece essa história: começa-se buscando um vídeo de um desenho (Peppa? Galinha Pintadinha?) para distrair os pequenos. Logo, entra em ação o algoritmo do Google e suas sugestões. Com seus dedinhos preparados para smartphones e tablets, as crianças passeiam pelo acervo de vídeos e certamente darão, em algum momento, num vídeo de “unboxing”.

Se não sabem do que estou falando, tratam-se de vídeos – com intuito de apresentar um produto – cujo roteiro é basicamente uma criança (ou um adulto), às vezes falando em português e muitas vezes em inglês, espanhol, russo! Ele abre um brinquedo, mostra como ele funciona, de vez em quando cria histórias com os personagens. A Mariana Della Barba escreveu um excelente texto sobre o tema na BBC*, que inclusive me inspirou a compartilhar aqui minhas visões sobre o tema.

Não há como negar: esse vídeozinho funciona como propaganda do brinquedo, mesmo que não seja a intenção do autor. Aliás, provavelmente mais eficaz que um comercial no Discovery Kids, pois não só prende a atenção da criança por um tempo maior (pode superar 10 minutos), como traz um gigantesco e valioso atributo de autenticidade.

Não vou entrar aqui na discussão sobre a ética da relação entre esses youtubers e as marcas dos brinquedos retratados. Minha intenção é avaliar as implicações desses vídeos para a formação da minha filha.

Já adianto minha conclusão: não são vídeos do YouTube ou propagandas de TV que definirão os hábitos de consumo da Helena ou, em última análise, sua relação com dinheiro. Essa formação ela receberá dos pais, de nossas atitudes diárias, que ela incorpora.

Brinquedos na tela

Os vídeos de “unboxing” são, em primeiro lugar, uma forma de “brincar” com brinquedos que Helena não tem, muitos que nem existem no Brasil. Ela se diverte, se inspira. Até uma brincadeira nova ela inventou — “oi galerinha” — e dá bronca nos adultos que tentam espiar o que se passa por ali. É um momento só dela, de criar uma diversão com os brinquedos que já tem.

Papai Juliano Nobrega é mestre em usar esses vídeos para buscar novas ideias para brinquedos antigos. Vídeos de Legos que Helena não têm, por exemplo, servem de guia para construções com os blocos que ela já têm.

Até aqui, nenhuma decisão de compra ou dilema consumista. Mas vai chegar a hora. Mamãe, compra esse?

Antes de mais nada, como profissional da comunicação, ressalto minha crença na publicidade como forma de informar escolhas de compra de qualquer pessoa. Toda tentativa de censura à publicidade cerceia, na verdade, um direito do consumidor.

Assim, ao analisar diversos brinquedos em infindáveis vídeos do YouTube, Helena também forma suas convicções. E aqui está a chave, a meu ver: não é ela quem decide comprar.

Sempre que ela me pede algo, seja a partir de um vídeo no YouTube, seja numa loja, digo a ela que temos de pensar, primeiro, se é possível — “a gente não pode comprar tudo”, explico, e dou uma ideia de que o dinheiro acaba, que nem a água do planeta.

Em seguida, tento ajudá-la a pensar se vale a pena, ou se ela já não tem algo parecido; ainda assim, depois de fazê-la refletir um pouco, deixo sempre uma brecha para que ela deseje o brinquedo e tenha esperanças de uma dia ganhá-lo.

Lista de desejos

Para isso, criamos uma “lista de desejos” imaginária. Quando ela quer algo e não podemos/não vamos comprar, vai para essa lista. Nela, é possível sonhar com presentes que um dia poderão chegar. Assim, não alimentamos o consumo e ainda estimulamos o sonho. É até uma primeira forma de aprender a ter metas, né?

Sim, em algumas situações, acreditamos no sistema de incentivo pelo qual ela ganha recompensas, entre elas, algum brinquedo.

Mas também fazemos surpresas. Sem que ela me peça, independentemente do dia, às vezes a surpreendo com algo que ela desejou muito. É irresistível aquele brilho nos olhos, não é? Dessas surpresas que veio a famosa frase dela: “Eu não acredito, mamãe!” É muito amor.

Com esses cuidados e atitudes no dia-a-dia, fico de consciência tranquila enquanto minha filha “brinca” com amiguinhas virtuais nos vídeos de unboxing. Hábito de consumo não se aprende no YouTube, assim como não se aprende nas lojas físicas ou nos passeios a shoppings que fazemos, e sim nos valores ensinados pelos pais, todos os dias.